Sunday, March 14, 2010

Um dia diferente

Tem 80 anos, mas ninguém diria. Não tem o ar abatido da idade, não arrasta os pés pelo velho soalho de madeira, dá sim passadas rápidas e vigorosas. Acorda sempre à mesma hora, às 6.00 da manhã está de pé, e começa a fazer a lida da casa, como sempre foi seu hábito. Faz a cama com todo o cuidado, esticando os lencóis brancos e perfumados, a seguir começa a aspirar. Ouve gritos de protesto dos vizinhos, mas não se incomoda, se ela acordou, os outros que acordem também, mas hoje em dia o mundo está de pernas para o ar e tanto mulheres como homens estão preguiçosos e vivem na cama. Deitam-se tarde, ouvem-se pela noite dentro com gritos insurcedores, que querem à força mostrar que são de paixão, mas de tão falsos fazem corar as paredes, depois, durante o dia, dormem. Os protestos continuam, mas dos vizinhos ela não quer saber. Espreita pela primeira vez entre os cortinados, o sol já nasceu e vai entrando, primeiro timidamente, depois confiante, pelas frestas da janela, iluminando toda a casa. Lá fora as equipas de limpeza espalham-se pelas ruas estreitas e sinuosas e recolhem os vestígios de mais uma noite de folia. Há 40 anos atrás aquele bairro era frequentado por jornalistas, escritores, estudantes, era um lugar de tascas e de casas de fados. Até que começaram a surgir as primeiras discotecas e bares que faziam publicidade a um sem número de bebidas e, desde aí, nunca mais as noites haviam sido sossegadas. Com um suspiro fundo, fechou as cortinas e entrou na cozinha. Começou a preparar o pequeno almoço e um cheiro perfumado a café forte espalhou-se por todas as divisões, adorava café. Sossegada, deixou-se escorregar na cadeira de verga, que balançava, e fechou os olhos à luz brilhante que invadia o seu pequeno refúgio, a sua casa!